sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O Galo

Depois de chegar, nós passamos 2 dias na capital Kampala, e depois fomos para Gulu, no norte. Gulu é especial por dois motivos: até alguns anos atrás era uma região que estava em guerra e que hoje está sendo reconstruída, e é também a terra natal de Obeja, um dos membros do nosso time.

Sendo 16 no total, nos dividimos em 4 grupos, e visitamos 4 escolas diferentes na sexta e na segunda-feira. No sábado e domingo, cada equipe teve atividades diferentes dependendo do que arranjasse: meu time, por exemplo, visitou a Cia de água de saneamento e o escritório de abastecimento rural de água, enquanto um outro time participou de uma reunião do conselho da escola que visitaram, e outro ainda foi convidado especial para uma volta por uma comunidade rural, junto com o ancião do vilarejo.

E uma história que aconteceu com esse último grupo eu gostaria de contar aqui.


Eles visitaram o lar de um casal HIV positivo. Lá por aquelas bandas a transmissão de AIDS é um problema sério - não há prevenção e os índices de contaminação são muito altos. Os dois tem cinco filhos, sendo 2 também HIV positivos. Por risco de contaminação, a mãe não pode amamentar os gêmeos mais novos, e a família precisa comprar leite diariamente.

Juntos, o casal ganha 100.000 shillings por mês. Isso dá menos que 30 euros, ou quase 68 reais. Desse dinheiro, 75.000 é gasto com o leite para as crianças.

A família tem uma latrina na parte de fora de casa. É um buraco fundo no chão, com uma casinha em cima, e em cujo assoalho há um buraco pelo qual, bem, a mágica acontece. Quando eles a construíram, não havia madeira seca, então acabaram usando madeira ainda verde. Com o peso das pessoas, o assoalho começou a envergar. Na estação chuvosa, o solo começou a ceder, então o risco de a latrina desabar com alguém dentro é grande. Se for uma criança pequena então, é game over. Por medo de perder um filho, a mãe proibiu as crianças de usar a latrina, e eles voltaram a usar os arbustos.

Há um poço próximo, e dali eles pegam água em galões e transportam para casa. Mas com chuva, a água fica barrenta, e eles precisam ir até um outro poço bem mais longe.

Os pais contaram que antes de começar a tomar os remédios para a AIDS, sentiam-se muito fracos e doentes. Temiam perecer e os filhos ficarem sem ninguém para cuidar deles. Mas agora que tomavam os remédios, tudo estava bem, porque sentiam-se novamente fortes e capazes de cuidar das crianças.


Em um dado momento, o pai perguntou para um dos meus colegas se ele gostava de...bom, ele não entendeu o que era, na hora ele achou que fosse uma fruta. E respondeu que sim, adorava.

Eles foram dali visitar a igreja próxima, e ele reparou que as crianças começaram a correr pelo quintal. Achou que fosse uma brincadeira. Lá pelas tantas, as crianças finalmente alcançaram o que perseguiam: um galo. Um galo não, O galo. O melhor galo. E felizes trouxeram para o pai.

Este, então, tomou o galo nas mãos, e deu de presente para o meu amigo.


Aquela família que não tinha nada, aquele homem que padecia de AIDS e trabalhava dois turnos diários como vigia para ter dinheiro para comprar leite já que a esposa não podia amamentar, aquelas pessoas estavam dando de presente para as visitas o melhor galo que tinham.


Difícil imaginar o turbilhão de coisas que passaram pelas cabeças dos meus colegas naquele momento. Obeja estava lá, e deixou claro que recusar o presente seria uma ofensa terrível.

Eles agradeceram e voltaram para o carro, com o galo nas mãos, sem saber o que fazer. Depois de muito, muito discutir, decidiram fazer exatamente o que o anfitrião gostaria que fizessem: aproveitaram o galo. No domingo, na casa do professor que os havia levado ao vilarejo, comeram galo à moda ugandense/ugandesa/de Uganda.

Mas eles sentiram que deviam retribuir. Desligaram-se de qualquer vínculo com Unicef, Aalto University, com o projeto, e como pessoas foram ao local onde o pai compra o leite e pagaram por dois meses de leite para as crianças. Deram à família a nota fiscal, explicaram que acharam que essa era a forma mais adequada de retribuir o presente, e agradeceram.


Uganda!

Um comentário:

  1. Nossa João que experiencia linda, como essas pessoas possuem tão pouco e mesmo assim estão dispostas a dar, presentear, serem amáveis com o próximo, coisa que eu muitas vezes não sou, é bom ver historias como essa e perceber como um simples gesto faz a diferença, e como podemos ser importantes para alguém.
    tenha uma otima semana :)

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