terça-feira, 29 de novembro de 2011

A Guerra de Inverno

Não sei quem de vocês gosta de história nem quem tem Twitter, mas recentemente eu descobri um que achei muito interessante. Em inglês e português, e também no Facebook. Ele está cobrindo a segunda guerra mundial "ao vivo". Pra quem gosta de história, é um prato cheio. Diversão garantida pros próximos 6 anos.


Legal, e o que isso tem a ver com este blog? Muito mais do que vocês imaginam!

Stalin nunca engoliu o fato de a Finlândia ter aproveitado a instabilidade da Revolução Comunista de 1917 e proclamado a própria independência do Império Russo. Na escola, muito se fala do "General Inverno" que derrotou Napoleão e Hitler quando invadiram a Rússia. Mas o que nem todo mundo sabe é que no inverno de 1939-40 foi o inverno finlandês que detonou os russos.

O Exército Vermelho tinha cerca de 3500 tanques e quase 4000 aviões. Os finlandeses tinham 30 tanques, 62 aviões e um terço do contingente soviético. O plano era "libertar" o povo finlandês e lá instalar um governo fantoche. A expectativa era de que assim que os russos cruzassem a fronteira, o povo finlandês se rebelasse contra o governo e aclamasse os invasores como seus líderes. Mas não foi bem isso que aconteceu.

Os finlandeses não só recusaram a benção da ditadura soviética como, aproveitando a vantagem de estarem lutando em casa, também deram um pau nos russos, pra falar o português claro. É verdade que no fim tiveram que entregar a Karelia, mas foi um preço baixo comparado ao que Stalin realmente aspirava.

Pra quem gosta de ler artigos: http://en.wikipedia.org/wiki/Winter_War


No Twitter, a ofensiva começa amanhã (é, eu não aguentei a curiosidade e procurei a data, apedrejem-me). Os russos estão estacionados na beira da fronteira e acusam os finlandeses de terem bombardeado anteontem uma vila do lado russo. A verdade é que a vila está fora do alcance dos canhões finlandeses, mas os jornais soviéticos publicam provocações contra os imperialistas que oprimem o povo da Finlândia.

Aguardemos.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Não tão querendo usar? Lobotomia neles!

Acho que não ficou claro o suficiente então vou explicitar: no post passado não defendo nem critico construção de usina nenhuma. Eu critico é o acefalismo que percebi na atitude de muita gente nesses últimos dias. Olha, sinceramente, se tem uma coisa que eu odeio é gente estúpida por opção.

Não tem problema nenhum em...hum...ter o teto baixo! Cada um tem seu limite. Cabe a cada um de nós tentar se superar e respeitar o próximo. Mas preguiça de pensar...ah, não, isso eu não respeito.

O que me fez postar o que postei foi o fato de ter visto muita gente da USP, gente que se auto-intitula a "elite intelectual do país" divulgando o vídeo. Só podem tar de sacanagem. Hoje em dia é legal pagar de 'cool' defendendo bichinho e abraçando árvore, mas ler meia dúzia de páginas pra entender um pouco mais...ah, não, pô. Mór preguiça.

Quem assistiu o segundo vídeo - no qual são apresentados os dados reais e feitas algumas contas em cima do que é falado no primeiro, sem emitir NENHUMA opinião contrária ou favorável - percebeu que a globo tá com uma epidemia séria de diarreia bucal.


Em tempo: minha opinião pessoal sobre a usina é inconclusiva. Baseado nos dois anos de engenharia elétrica que fiz (meu curso chama-se Engenharia Elétrica com Ênfase em Computação), sei que aquela região tem um déficit energético que nos próximos anos cobrará seu preço - lembrem-se que não se constrói uma usina da noite para o dia. Sei também que as bacias hidrográficas do Sudeste estão praticamente saturadas de usinas, mas isso não resolveria o problema daquela região, porque quando cursei Eletromagnetismo aprendi (às duras penas, diga-se) que transmissão de eletricidade a longas distâncias implica em perdas enormes. Em outras palavras: é como carregar água num balde furado.

O que eu NÃO sei é o quão grande é o impacto ambiental e humano do projeto como é hoje. Por não saber disso, não acho que tenho envergadura moral pra assinar petição nenhuma. Mas tenho certeza que vai ter algum leitor que saberá nos ensinar um pouco sobre essa questão. Poste nos comentários, por favor.

A Usina de Belo Monte

Brasileiro adora dar opinião sobre coisa que não entende. Na copa do mundo, são 200 milhões de técnicos dando seu pitaco. Semana passada fiquei embasbacado com a quantidade de doutores em energia e meio ambiente que eu conhecia e nem sabia!

Não sei quem aqui já viu o vídeo que circulou nesses últimos dias do movimento gota d'água. É um vídeo com atores da globo metendo o pau na usina de Belo Monte que está sendo construída.

Na minha particular visão de mundo do simples politécnico politicamente alienado, reacionário e egoísta que sou, opinião dada por ator da globo é sinônimo de besteira. Mas pra quem não viu, taí:


E já que você tá com tempo de sobra pra ler este ridículo blog e para assistir campanha de ator da globo, veja também este outro vídeo. Não se deixe assustar com os números, não é nenhuma ciência de foguete - quem estudou frações na escola é totalmente capaz de acompanhar:


E da próxima vez, pense melhor antes de se deixar levar pelo que a Juliana Paes fala, pois ela, como engenheira, tem uma belíssima bunda. Nada mais.

sábado, 19 de novembro de 2011

O ar na Finlândia

O ar na Finlândia é bem limpo. Pra quem vem de São Paulo, como eu, é notável a diferença. Mesmo em Helsinki, a maior cidade daqui, o céu é bemm claro.

Agora lá fora tá -1ºC. Se você está se perguntando como é respirar um ar assim, faça o seguinte: vá até a cozinha, abra o freezer e ponha a cabeça dentro. Pronto! Agora você já sabe.

Depois poste aqui seu comentário sobre sua experiência finlandesa.

As doenças


No final da primeira semana, alguns de nós começaram a ficar doentes. Estávamos com uma rotina pesada, trabalhávamos 12, 14 horas por dia, dormindo pouco, e isso começou a cobrar seu preço.

Dos 12 que vieram da Finlândia, 10 tiveram alguma coisa. Até uma das meninas de Uganda ficou um dia de cama.

Quando começamos a ter baixas, já estávamos de volta em Kampala. Estávamos confortavelmente hospedados na YWCA (Young Women's Christian Association), com eletricidade e água encanada. O banheiro ficava a dez passos de distância, e nós trazíamos água e comida pra quem tinha ficado de cama. O meu colega de quarto que ficou 4 dias deitado tinha antibióticos para tomar.

Mas isso nos fez pensar. E se fôssemos uma daquelas famílias que visitamos?

Pra nós, a diarréia e resfriado foi mais um inconveniente do que um risco. Perdemos alguns membros em certos dias de trabalho, mas só isso. Em nenhum momento corremos risco de...enfim, de algo mais grave.

Uma das meninas ainda comentou: quando ela estava bem mal, com febre, ela pôde passar o dia na cama. Mas ela imaginou como seria se fosse uma mãe de família. Independentemente de como se sentisse, ela ainda teria que buscar água no poço e cozinhar, porque senão as crianças iam passar fome e sede.

Um dos professores da Universidade de Makerere, especialista em saneamento, comentou em uma apresentação que das 300.000 vítimas fatais dos conflitos recentes de Darfur, no Sudão, estima-se que apenas 20% pereceram por violência direta. Os outros 80% são atribuídos a doenças causadas pela falta de saneamento e higiene em campos para aqueles que tiveram que deixar seus lares.


Se fôssemos uma família africana, e não um grupo de estudantes estrangeiros, talvez alguns de nós não estivesse mais aqui para ver outro nascer do sol.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O barato que sai caro

Essa semana eu precisava comprar papel. Fui no correio, e tinha um bloco daqueles papéis de impressora por 3,70. Do lado, tinha um outro bloco por 2,70. Comprei o mais barato. Errei! O papel é muito fino, só de tirar do bloco ele já tá todo amassado. Sabe guardanapo de pastel de feira? Então. Agora eu tenho um bloco de guardanapo de pastel de feira em tamanho A4.

É mais ou menos isso que acontece em Uganda. A diferença é que por lá eles nem tem a opção do bloco de 3,70. O que chega pra eles é o pior dos produtos chineses de má qualidade.

Ainda em Kampala, nós compramos quatro bolas, uma delas vazia, e quatro bombas de ar pra dar de presente nas escolas que íamos visitar em Gulu. Eu tentei encher a bola vazia. Com a primeira bomba, quebrei a parte de baixo, onde encaixa a agulha. A segunda, quebrei a parte de cima. A terceira consegui quebrar embaixo E em cima. Tive um ataque de fúria e desisti.

Nas escolas em que visitamos, eles tinham tanques pequenos de água perto das latrinas para lavar as mãos. Devia caber uns 20 litros de água em cada tanque. Ou seja, se não tiver alguém enchendo-os o tempo todo, ninguém pode lavar as mãos.
Um dos tanques tinha água. Deu até medo de usar a torneira...medo de quebrar. As torneiras pareciam muito frágeis. Depois de destruir três bombas de ar, eu que não ia me arriscar a ser o maldito que veio lá dos quintos dos infernos só pra quebrar a torneira deles.

Nas quatro escolas em que estivemos existiam enormes tanques de água pra coletar a chuva que cai nos telhados. Na escola em que fui, eles tinham três tanques de dez mil litros. E em todos os tanques, nas quatro escolas, não há torneiras. Elas tinham quebrado, ou tinham sido roubadas durante a noite.

É, você leu certo: roubadas. A situação lá é tal que tem gente que invade as escolas à noite pra roubar torneiras.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Os idiomas e a educação

Até não muito tempo atrás, o único idioma oficial de Uganda era o inglês. Com a criação da comunidade do Leste Africano, foi decidido que a língua oficial do bloco seria o Swahili. O idioma foi então instituído como segunda língua oficial do país.

Em Uganda há 62 grupos étnicos, sendo 23 ou 24 os maiores grupos. Cada um com seu próprio idioma, cultura, e costumes. Em Kampala, por exemplo, fala-se Luganda. "Olá" é "Oly otia". Mas em Gulu, terra dos Acholi, eles dizem "Cop ango".

Diante desse mosaico, o inglês foi escolhido como idioma para unificar o país. E apesar de o Swahili ser a outra língua oficial, ele não é a língua materna de ninguém. Ele é falado no Quênia e Tanzânia, mas não em Uganda. E as pessoas tem um pouco de rejeição em aprendê-lo, por razões históricas.

No nosso grupo tínhamos um neo-zelandês e um australiano. Os dois diziam que era impressionante o inglês que as pessoas falavam, comparável ao de países com língua inglesa materna. O fato é que em Uganda as crianças começam a aprender inglês desde a pré-escola.

Aos 6 anos de idade, as crianças começam o primário. São 7 anos de escola primária, mais 6 de secundária, e então a universidade. Até a terceira série do primário, o P3, as aulas são no idioma local. Do P4 em diante, é tudo em inglês.

Nas nossas visitas às escolas, só com os pequeninos tínhamos dificuldade de conversar. Os outros todos falavam um inglês impecável.


E já que falei das escolas, quero contar algo que aconteceu em Gulu. Como não tínhamos nenhuma atividade programada para o domingo, meu time resolveu passear pela cidade (tínhamos nos dividido em times de 4 pessoas, lembram?). Andamos cerca de 300 metros até o fim da avenida na frente de nosso hotel, e ela terminava em uma vila de cabanas, daquelas bem tradicionais mesmo. Como estas.


Junto da vila havia uma escola. O portão estava aberto, e entramos. Algumas crianças da vila nos seguiram, e ficavam brincando de se esconder toda vez que virávamos para olhá-las. A escola era muito parecida com as outras escolas que visitamos.

E dentro de uma sala de aula, havia uma menina. Sozinha, ela estava escrevendo com giz no quadro-negro. Meus amigos continuaram andando, mas eu resolvi ir até lá falar com ela. Bati na porta, e perguntei se ela era professora.

Ela respondeu que não, disse que estudava lá e estava no último ano da escola. Presumi que tinha uns 17 anos. Então perguntei porque ela estava ali, sozinha, escrevendo na lousa num domingo. E ela me contou que todos os finais de semana ela vinha para a escola e escrevia na lousa tudo que tinha aprendido durante aquela semana. Escrevia na lousa e depois apagava. Perguntei se ela queria continuar estudando depois que terminasse a escola, e ela disse que sim.


Sabe, às vezes eu acho que ainda há Esperança para a humanidade. Ainda há, sim. Às vezes.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A Água do poço

Comentei no outro post que busquei água no poço para as crianças lavarem as mãos.

Buscar água é um trabalho para as mulheres - elas buscam água no poço e a carregam em galões de 20 litros. E voltam equilibrando os 20 quilos na cabeça, e por vezes mais 20 em cada braço e um bebê pendurado nas costas. É impressionante.

Cara, carregar 20 litros na cabeça não é fácil. Na próxima vez que você for carregar peso, tenta colocar na cabeça. Equilibrar é quase impossível, mas é muito mais confortável! Só não faça isso na África, por lá só mulheres equilibram coisas na cabeça. Macho que é macho carrega no ombro.

Mas eu, como era branco turista, tentei equilibrar na cabeça. O poço fica a cerca de 100 metros do prédio principal da escola. Dos 20 litros só chegaram uns 15. Mas o tanto que eu fiz aquelas meninas rirem valeu a empreitada! Hehe. E tava calor mesmo, uma refrescadinha caiu bem.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Sete bilhões

Uma pausa nas histórias de Uganda pra falar de outra coisa.

Hoje é a data simbólica em que a população mundial atinge 7 bilhões de pessoas, de acordo com as Nações Unidas.


http://www.npr.org/series/141810687/7-billion-people-one-planet

Sete bilhões de pessoas. SETE BILHÕES! Pra ficar um pouco mais visível:


7.000.000.000 de pessoas


Sete bilhões de sonhos. Sete bilhões de conflitos. Sete bilhões de amarguras. Sete bilhões de esperanças.

E aí eu me pergunto, nosso planeta é capaz de aguentar tanta gente? Tanta destruição?

E desses sete bilhões, quantos tem a oportunidade de viver uma vida digna? Quantos chegaram a comemorar seu primeiro aniversário? Quantos dormem com a certeza de que amanhã vão ter algo pra comer?


Mas a questão mais importante:

O que EU posso fazer quanto a isso?

domingo, 13 de novembro de 2011

As Risadas

Como tinha comentado, passei meu aniversário em Uganda. E foi fantástico!

Caiu bem na segunda-feira em que visitamos novamente as escolas. Meu grupo de 4 pessoas acabou se dividindo, metade foi para o Gulu District Water Office, e uma menina e eu fomos para a escola. Lá fizemos uma atividade com as crianças do Primary 1 (por volta dos 6 anos de idade).

Primeiro nós demos papel e caneta pra todos, e pedimos para desenharem o banheiro. Era uma forma de descobrir o que eles pensam do banheiro, se acham que é assustador, ou o que gostariam que fosse a latrina ideal pra eles.

Também tínhamos levado tinta. A menina pintou a mão dela de vermelho, e eu pintei a minha de azul. Explicamos como a tinta era a sujeira que fica na nossa mão e que nos deixa doentes. Apertamos a mão um do outro, e eles viram como a tinta passa de um para o outro. E daí marcamos nossas mãos no papel, pra mostrar como tudo que a gente toca também fica contaminado se nossas mãos estão sujas. Eles não falam inglês ainda, mas a professora foi traduzindo tudo.

Daí distribuímos mais papel e começamos a pintar as mãos deles. O primeiro menininho ficou me olhando sem saber o que fazer. A classe inteira olhando ansiosa. Eu fiz o gesto "bate no papel!". E ele respirou e BAM, deu um tapão no papel. A classe inteira explodiu em risos! E todos quiseram pintar as mãos pra marcar no papel. A cada BAM, uma explosão de risadas.

Depois que todos tinham pintado as mãos, ainda tínhamos tinta. Pintei a minha mão de novo, e dei um high-five num menininho. A classe foi à loucura!! Todos levantaram duma só vez e correram pra frente pra me dar high-five! Hehe.

Depois levamos eles pra fora para lavarem as mãos, explicamos como eles devem lavar as mãos sempre antes de comer e depois de ir no banheiro. Tínhamos levado sabão, e mais cedo eu tinha ido buscar água no poço com uma aluna mais velha.


O som daquelas risadas vai ecoar por muito tempo nos meus ouvidos.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O Galo

Depois de chegar, nós passamos 2 dias na capital Kampala, e depois fomos para Gulu, no norte. Gulu é especial por dois motivos: até alguns anos atrás era uma região que estava em guerra e que hoje está sendo reconstruída, e é também a terra natal de Obeja, um dos membros do nosso time.

Sendo 16 no total, nos dividimos em 4 grupos, e visitamos 4 escolas diferentes na sexta e na segunda-feira. No sábado e domingo, cada equipe teve atividades diferentes dependendo do que arranjasse: meu time, por exemplo, visitou a Cia de água de saneamento e o escritório de abastecimento rural de água, enquanto um outro time participou de uma reunião do conselho da escola que visitaram, e outro ainda foi convidado especial para uma volta por uma comunidade rural, junto com o ancião do vilarejo.

E uma história que aconteceu com esse último grupo eu gostaria de contar aqui.


Eles visitaram o lar de um casal HIV positivo. Lá por aquelas bandas a transmissão de AIDS é um problema sério - não há prevenção e os índices de contaminação são muito altos. Os dois tem cinco filhos, sendo 2 também HIV positivos. Por risco de contaminação, a mãe não pode amamentar os gêmeos mais novos, e a família precisa comprar leite diariamente.

Juntos, o casal ganha 100.000 shillings por mês. Isso dá menos que 30 euros, ou quase 68 reais. Desse dinheiro, 75.000 é gasto com o leite para as crianças.

A família tem uma latrina na parte de fora de casa. É um buraco fundo no chão, com uma casinha em cima, e em cujo assoalho há um buraco pelo qual, bem, a mágica acontece. Quando eles a construíram, não havia madeira seca, então acabaram usando madeira ainda verde. Com o peso das pessoas, o assoalho começou a envergar. Na estação chuvosa, o solo começou a ceder, então o risco de a latrina desabar com alguém dentro é grande. Se for uma criança pequena então, é game over. Por medo de perder um filho, a mãe proibiu as crianças de usar a latrina, e eles voltaram a usar os arbustos.

Há um poço próximo, e dali eles pegam água em galões e transportam para casa. Mas com chuva, a água fica barrenta, e eles precisam ir até um outro poço bem mais longe.

Os pais contaram que antes de começar a tomar os remédios para a AIDS, sentiam-se muito fracos e doentes. Temiam perecer e os filhos ficarem sem ninguém para cuidar deles. Mas agora que tomavam os remédios, tudo estava bem, porque sentiam-se novamente fortes e capazes de cuidar das crianças.


Em um dado momento, o pai perguntou para um dos meus colegas se ele gostava de...bom, ele não entendeu o que era, na hora ele achou que fosse uma fruta. E respondeu que sim, adorava.

Eles foram dali visitar a igreja próxima, e ele reparou que as crianças começaram a correr pelo quintal. Achou que fosse uma brincadeira. Lá pelas tantas, as crianças finalmente alcançaram o que perseguiam: um galo. Um galo não, O galo. O melhor galo. E felizes trouxeram para o pai.

Este, então, tomou o galo nas mãos, e deu de presente para o meu amigo.


Aquela família que não tinha nada, aquele homem que padecia de AIDS e trabalhava dois turnos diários como vigia para ter dinheiro para comprar leite já que a esposa não podia amamentar, aquelas pessoas estavam dando de presente para as visitas o melhor galo que tinham.


Difícil imaginar o turbilhão de coisas que passaram pelas cabeças dos meus colegas naquele momento. Obeja estava lá, e deixou claro que recusar o presente seria uma ofensa terrível.

Eles agradeceram e voltaram para o carro, com o galo nas mãos, sem saber o que fazer. Depois de muito, muito discutir, decidiram fazer exatamente o que o anfitrião gostaria que fizessem: aproveitaram o galo. No domingo, na casa do professor que os havia levado ao vilarejo, comeram galo à moda ugandense/ugandesa/de Uganda.

Mas eles sentiram que deviam retribuir. Desligaram-se de qualquer vínculo com Unicef, Aalto University, com o projeto, e como pessoas foram ao local onde o pai compra o leite e pagaram por dois meses de leite para as crianças. Deram à família a nota fiscal, explicaram que acharam que essa era a forma mais adequada de retribuir o presente, e agradeceram.


Uganda!

O que se pode aprender

Voltei de Uganda e tô atolado de trabalhos pra fazer, por isso ainda não tinha postado nada aqui (pra desespero da minha mãe haha!).

A viagem foi incrível! Impossível ir até lá e voltar a mesma pessoa de antes. Quer dizer, possível é, mas pra isso você tem que ser muito, mas muito cretino.

Lá é um país onde tudo falta. Tudo, até as coisas que nos parecem mais simples. Eletricidade. Água. Comida. E num lugar onde não há nada de material, o que resta?

As pessoas.

Num lugar como esse, não há como se esconder atrás de grife ou das facilidades modernas. Você é o que é, e pronto. Quem tem medo de descobrir quem é, não deve ir a um lugar assim. Ou se for, que trate de fechar bem os olhos e ouvidos. Porque lá, o belo e o terrível convivem lado a lado. As piores monstruosidades que o homem é capaz de fazer estão lá, com suas feridas, metafóricas e literais, ainda abertas pra quem quiser ver. E ao mesmo tempo, os maiores exemplos de Coragem e Bondade que já vi. Os mais puros sorrisos.

As pessoas. Pessoas que andam quilômetros para ir à escola, para buscar água, ou até mesmo para poderem dormir sem medo de serem sequestradas pelas milícias.

Pessoas que não tem nada e alegram-se em dividir o nada que tem com aqueles que tem menos ainda.

Pessoas com Esperança no futuro, mesmo que o presente não canse de lhes pisotear.


Diante disso, é difícil não se questionar. Quem sou? O que tenho feito da minha Vida?


Mas se isso tudo te assusta, não se preocupe, Uganda é muito legal até mesmo pra você - lá também dá pra fazer rafting no Rio Nilo e safári com os gorilas da montanha.